Uberização dos bancos: fantasia ou realidade?
Com a última rodada de investimentos, o Uber passou a ter valor de mercado de 62 bilhões de dólares, maior que o da GM, que vale cerca de 56 bilhões. O termo uberizar já se tornou um verbo (ainda não oficial…) e significa causar uma disrupção em um setor de indústria.
A uberização é um fenômeno que preocupa qualquer CEO que esteja antenado com as mudanças que já estão ocorrendo no cenário de negócios mundial. Este temor é sintetizado por Maurice Levy, CEO da Publicis, grupo francês de mídia, em entrevista ao Financial Times, da seguinte forma: “everyone´s starting to worry about being uberized”. A uberização, resultado direto da transformação digital, não é um fenômeno exclusivo de alguns setores mais digitalizáveis, como mídia ou software. Tem o potencial de afetar praticamente todos os setores de indústria.
O risco para as empresas tradicionais é o de um app (na verdade uma empresa de tecnologia) substitui-las como ponto de conexão entre os clientes e as suas necessidades específicas, como o Airbnb na rede hoteleira e o próprio Uber na busca por um veículo com motorista.
O desafio das empresas tradicionais é o apego a modelos de negócio criados e solidificados por décadas. As disruptoras, as “ubers”, surgem com ideias inovadoras, antagônicas e radicalmente diferentes às suas crenças. Muitas tentam se defender atrás de regulações e protecionismos governamentais. Estratégia que até funciona em alguns países (aqui no Brasil vemos exemplos típicos), mas que não se sustentam por muito tempo.
A pressão do mercado consumidor por uma solução ou serviço mais barato, mais flexível e mais self-service (ou seja, menos fricção) leva inevitavelmente à ruptura do modelo tradicional. Portanto, a decisão para os CEOs, quer gostem ou não da uberização, é decidir se querem se submeter a ela ou querem, eles mesmos, criar a disrupção. Interessante a frase do CEO global da Michelin – “I don´t want to submit to the digital solution, I want to dominate it” – ao explicar os investimentos nas startups de venda de pneus online, como a francesa Allopneus e a inglesa Blackcircles.
Os cenários tecnológico (evolução exponencial da tecnologia) e econômico atuais, com a geração de nativos digitais se impondo no mercado consumidor e começando a assumir posições mais executivas, trazendo com eles seus valores e ideias, aceleram o processo de transformação.
A dificuldade para os atuais gestores é que a velocidade da mudança é muito rápida, não dando a eles muito tempo para refletir. Provoca quase que uma reação instintiva! É um ciclo de decisões que colide com o tradicional, e lento, modelo decisório das grandes corporações, com suas pesadas estruturas organizacionais, incluindo aí a pesada infraestrutura de TI, com centenas de sistemas legados, muitas vezes com interligações complexas, que demandam centenas ou milhares de profissionais só para manterem os sistemas funcionando. Aqui no Brasil, os bancos e as empresas de telecom são exemplos bem sintomáticos.
Vamos olhar os bancos. Recentemente li um artigo no WSJ que me chamou a atenção. Chama-se “The uberization of Money” e mostra como o setor financeiro americano está começando a se tornar alvo da uberização. Não estamos falando da ponta, onde os bancos já têm muitos serviços via smartphones. Aqui no Brasil, praticamente todas as minhas interações com meu banco já são via meu iPhone.
Mas que tal falarmos em empréstimos? Nos EUA, o movimento em direção a novos modelos uberizados é crescente e acelerado. Um relatório da PwC, “Peer Pressure: how peer-to-peer lending plataforms are transforming the consumer lending industry”, estima que os empréstimos peer-to-peer serão uma indústria de 150 bilhões de dólares nos EUA.
O artigo me fez pesquisar mais o assunto e acabei lendo um relatório muito bom, de quase 200 páginas, publicado pelo World Economic Forum: “The Future of Financial Services: how disruptive innovations are reshaping the way financial services are structured, provisoned and consumed”. O relatório é resultado de um grupo de estudos de bancos americanos, europeus e asiáticos (não vi nenhum banco privado brasileiro lá…) e incluiu não apenas o ponto de vista dos próprios bancos, mas principalmente de muitas startups que estão uberizando o setor. Basicamente mostra os serviços financeiros “core” e os riscos de uberização em segmentos como pagamentos, seguros, depósitos e empréstimos, gestão de investimentos, etc. O relatório analisa cenários e as implicações para o atual modelo dos bancos. É uma leitura obrigatória para todos os executivos do setor.
Outro pólo de mudanças radicais está acontecendo no Reino Unido. Londres é atualmente o centro financeiro do mundo e muitas startups, chamadas Fintechs, estão sendo criadas lá. Sobre Fintechs recomendo ler “The fintech revolution”. As Fintechs atuam concentrando esforços em simplificar um único serviço, via apps. Juntas, estão criando o fenômeno da “desagregação” dos bancos. Vale a pena analisar a figura que aparece em http://fermi.vc/post/72559525330/disaggregation-of-a-bank. Mostra claramente o que esta desagregação significa na prática.
O resultado, lá fora pelo menos, é o maciço investimento dos bancos na aquisição dessas startups, para evitar que sejam transformados em suas vítimas. Aliás, uma frase de Bill Gates, de 1997, tornou-se bem atual hoje: “We need banking but we don´t need banks”.
Neste contexto, aprofundando na pesquisa sobre o tema, li no meu Kindle um livro chamado “Bye Bye Banks?: How Retail Banks are Being Displaced, Diminished and Disintermediated by Tech Startups – and What They Can Do to Survive.” Recomendo a leitura a todos consultores, executivos de TI e de negócios envolvidos com bancos. Baseado no mercado inglês, bem diferente do brasileiro, mas com algumas similaridades, o livro mostra bancos investiram centenas de milhões de dólares na chamada transformação digital, sem mudanças em seus “core systems”, apenas nas interfaces com os clientes. A explicação deles é que a cultura tradicional (apoiada por regulações restritivas e na maioria das vezes muito antigas) permite entrincheirar e dificultar mudanças de mindset.
Como toda mega organização, os grandes bancos receiam mudar seus modelos de negócio e dificultam experimentações quando constatam que correm risco de canibalização a partir do surgimento desses novos modelos de negócio. Por outro lado, correm o risco de serem devorados por novos entrantes. A sugestão dos autores é a de que os bancos criem o que eles chamam “beta bank”, um banco digital, separado da estrutura tradicional, com novas lideranças, processos e sistemas, inteiramente focados no novo mundo digital. É uma reinvenção do banco, permitindo um repensar do zero. “Se fossemos criar um banco a partir do zero, sem as restrições dos bancos atuais, como ele seria? ” A partir daí o novo banco assumiria aos poucos os serviços do banco atual.
Minha opinião é que sim, existe o risco de uberização do setor bancário. Regulações não são impeditivos perpétuos, como Uber e Airbnb mostram ao redor do mundo. Eles enfrentam setores altamente regulados. Existe muita reação, mas no final acha-se um meio da inovação florescer. Claro que países são diferentes em sua cultura e força regulatória. Em alguns, os bancos exercem poder maior sobre governo que outros, como no Brasil. Além disso o sistema bancário brasileiro é extremamente concentrado. Em uma simplificação relativamente realista, não é exagero dizer que temos apenas 5 bancos: BB, Itaú, Bradesco, CEF e Santander. Mas, a uberização do setor bancário mundial não é falácia. Mais ou cedo ou mais tarde também chegará aqui. Afinal, o Nubank é apenas a ponta do iceberg.
As Fintechs podem não matar os bancos, mas vão transformá-los. É provável que os bancos que meu netinho de 5 anos irá conhecer não sejam nada parecidos com os que eu conheço.